20 de abr. de 2014

Acausalidade, esoterismo e essência



Consideremos o mapa astrológico e o mapa numerológico. Muitos acham que as pessoas são influenciadas por eles. Pensam que programar uma operação cesariana para este em vez daquele dia garantiria tais e tais vibrações (leia-se influências) para o bebê. Como se a data e o horário de nascimento de uma criança pudessem de fato ser programados. Como se o bebê não pudesse antecipar o nascimento, com ou sem cesariana, e sobrevivendo ele (o feto) ou não, de acordo com sua própria vontade. Como se a mãe não pudesse acabar abortando, voluntária ou involuntariamente. Ou seja, não vamos nos iludir: não é possível programar de verdade a hora e o dia de nascimento de uma criança. Porque certos eventos, como a vida e (certos tipos de) morte pertencem a uma ordem (ou a um caos) maior do que a gente. E quando digo maior, não estou falando de "Deus", ao menos não necessariamente. Estou falando de algo que está além do domínio humano: a vida e a morte.

Ao enfatizar isto, quero apontar que o que está além do domínio humano, ou seja, além da matéria, não está baseado nas leis da causalidade, da causa e efeito, do raciocínio cartesiano, e sim no conceito da acausalidade, que só pode ser compreendido à luz da teoria da sincronicidade, desenvolvida pelo psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung. De acordo com a teoria da sincronicidade, os acontecimentos não estariam ligados apenas por relação causal, mas também por relação acausal, ou seja, por relação de significado. Outra maneira de se definir a sincronicidade seria como "coincidências significativas". A função da ciência cartesiana, que se baseia no princípio de causa e efeito, é alargar cada vez mais os horizontes do desconhecido, e dominá-lo. Até o momento, a ciência cartesiana não domina o maior mistério da humanidade — o mistério da vida e da morte. No dia em que isto acontecer, se isto acontecer, haverá uma mudança de paradigma, tudo terá de ser repensado e reavaliado à luz das reverberações de tal evento. Mas, enquanto isto não acontece, temos este mistério, esta twilight zone inexplicável. A teoria da sincronicidade — e agora estou falando por mim, da minha percepção sobre o assunto — busca exatamente transitar e decifrar esse terreno que a ciência tradicional não alcança. A sincronicidade é uma tese que busca respostas através de métodos e estratégias totalmente diferentes daqueles da ciência cartesiana — métodos talvez inaceitáveis para a ciência cartesiana — justamente por perceber que a ciência tradicional cartesiana não consegue alcançar uma resposta através de seus métodos típicos. Por isso, as críticas racionalistas ao pensamento acausal são críticas vazias — é a mesma coisa que "acusar" uma laranja de ser cítrica. Desqualificar o pensamento acausal por não se adequar ao pensamento causal é uma crítica vazia e arrogante, por considerar que apenas os métodos da ciência causal seriam válidos. Nunca é demais lembrar que os antigos alquimistas e astrólogos já falavam "assim em cima como embaixo", e já diziam que pequenos seres caminham por nossa pele muito antes de se pensar em inventar o microscópio. E não estou minimizando a ciência, em absoluto. A ciência é uma coisa maravilhosa, admirável, impescindível. Sem ciência eu não estaria digitando agora em um teclado de computador, e não estaria compartilhando este texto com o mundo inteiro daqui a alguns minutos. Viva a ciência. Mas não sejamos fanáticos. A ciência, fosse ela um ser com vontade e forma própria, certamente não gostaria de ser associada a fanáticos, logo ela, a Dona Ciência, que tantas vezes foi e continua sendo queimada na fogueira justamente (injustamente) por eles mesmos, os fanáticos.

Então estamos combinados que a numerologia e a astrologia não estão submetidas às regras da causa e efeito, e sim às regras da acausalidade como previstas pela teoria da sincronicidade. Isto explica por que a pessoa não é como é porque tem tal mapa astral e/ou tal mapa numerológico. A pessoa só tem esses mapas porque ela é assim. A posição dos astros e a posição dos números não influencia em nada o que as pessoas são (e, por consequência, o que elas fazem). Os astros e os números na verdade REFLETEM as pessoas. Não existe uma relação CAUSAL entre os astros e números e as pessoas. A relação é de ACAUSALIDADE, não de causalidade.

O que leva a outra questão. Se entendemos que os astros e os números não influenciam as pessoas, mas sim as refletem, a essência das pessoas não se formaria a partir de aspectos externos, do ambiente, e sim existiria por si mesma, desde um suposto estado de pré-existência, e ao ser confrontada com fatores ambientais e circunstanciais, reagiria a partir de sua essência pré-existente — que podemos chamar de alma. Na numerologia isso se reflete na separação dos cálculos feitos a partir do nome — que refletem a personalidade do indivíduo — e os cálculos feitos a partir da data de nascimento — que refletem a maneira como a pessoa reage aos eventos externos, além de apontar que tipo de eventos externos a pessoa em questão atrai para si.

Sendo assim, não seria correto entender que a sincronicidade e o princípio da acausalidade implicam a existência de uma inteligência incorpórea e autônoma que alguns chamam de acaso, mas que pode ser entendida como um princípio essencial espontâneo? Não é esse princípio essencial espontâneo que as técnicas esotéricas investigam? E sendo esse princípio essencial espontâneo, a ideia sartriana de que a existência precede a essência não seria incompatível?